Começou. Nos outdoors, anúncios de revista, comerciais de TV, alguém ordena: preciso me preparar para o verão. Por aqui, ele só dará o ar da graça em três meses. É como se a primavera, que acaba de tocar a campainha no hemisfério sul, com sua inabalável força renovadora, fosse coadjuvante em um espetáculo onde a única celebridade é o verão.
Em doze semanas eu não consigo definir nem o que quero da vida, quanto mais glúteos, bíceps, tríceps, abdome. Até parece que o que levou um ano (ou mais) para se instalar no meu corpo, sob minha permissão, estará disposto a ir embora assim, em noventa dias.
Eu me preparei para o vestibular. Para a primeira entrevista de emprego. Para encarar uma demissão. Para ter filhos (e me preparo para isso dia após dia). Para perder minha mãe. Eu me preparo para viajar, jantar fora, tomar injeção. Mas preparação para estação vindoura, sinceramente. Isso é lá com os ursos, formigas, cigarras. Eu que não vou dar trela.
Sou obra em progresso, nunca estarei pronta. Na melhor das hipóteses, equipada para dançar conforme a música: câmera fotográfica nas mãos para primavera e outono, ar-condicionado para o verão, botas de cano longo para o curto inverno tropical. No mais, permaneço em construção, desde que nasci até o último dos meus dias. Que cairá, quem sabe, num solstício de verão ou equinócio de outono.
Vida não tem colação de grau, nem formatura. É a coleção de estações vividas, uma após a outra, em seu eterno compasso de brotar, florir, morrer, que deixa a gente razoavelmente preparada para o ato de viver. Ainda assim, é bom que se diga: não há garantias.
Ao contrário do que deveria ser, não é a brisa da primavera que nos acaricia agora. O que nos derruba, daqui até o Natal, é o vendaval de apelos para ficar bonitona, gostosona, tudo ona. Inclusive bobona. É o externo premiado. No entanto, não é só disso que se faz um verão. Até andorinha sabe.
Chegará o dia em que outdoors, anúncios e comerciais noticiarão cada estação do ano com a mesma pompa e devida circunstância, pedindo de nós só o que é possível lhes dar.
Os que viverem, verão.
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