A atriz viajou para aquele país invernal devidamente envolta em peles e casacos muito sofisticados. Na foto, ela está sorridente ao extremo, maquiada ao extremo e, enquanto posa ao lado de certa marca de chocolate que deve ter bancado sua viagem, diz – apesar dos mais que aparentes procedimentos estéticos faciais – que “ama suas rugas, pois elas contam sua história”.
Penso que talvez o fato de que seja atriz e de que tenha feito não sei quantos exercícios de imersão teatral para interpretar essa ou aquela personagem, pode ter causado algum transtorno que a impeça de enxergar a realidade ‘real’.
Mas sem julgamentos, devo dizer é que fiquei com pena da tal atriz porque ela parecia estar fazendo um esforço terrível para aparentar jovialidade e até certa coragem (pois em outra foto, ela se aventurava em um esporte do tipo ‘radical’), mas isso só revelava ainda mais, na sua figura, um desejo de liberdade, um desejo por alguma ‘força’ que a permitisse dizer com todas as letras: “odeio ter envelhecido, perdi papeis por isso e sou obrigada a fazer coisas como essa pra continuar sendo chamada pra alguma coisa”.
É claro que ela sabe que deve fingir e que dizer o clichê-mor – que ‘ama suas rugas’ – deve ter sido algo devidamente combinado entre as partes envolvidas na operação de levá-la à capa daquela revista.
Mas o que interessa aqui é isso: vocês percebem o quanto essa aparentemente inofensiva matéria é terrivelmente contraditória? Afinal, se a atriz diz que ama suas rugas, porque submeteu-se à dolorosa tarefa de escondê-las? Porque ela parece se agarrar tão desesperadamente à ideia de que envelhece ‘bem’ enquanto seu próprio rosto nos assegura que está precisando de uma ajuda para encarar-se no espelho?
Pois é… Mas como sabemos, envelhecer – depois da morte, mas sobre esse rochedo no nosso sapato não há muito o que tergiversar, só nos resta o consolo mútuo nas ocasiões adequadas – parece hoje um crime bem maior e grave, inafiançável eu diria, do que qualquer outro.
Já sabemos que o que importa desde sempre é parecer e não ser e isso é tão antigo quanto o nosso próprio medo de … envelhecer. A juventude – em todas as épocas – sempre foi aquela fase superestimada da existência humana. Não importa se ali somos ingênuos ou bobocas mesmo, se nos deixamos arrebatar por grandiosas bobagens, se somos idealistas sem nenhuma vontade ou ao menos tentativa de entendermos mais a fundo certas ‘coisas’... Parece que ser jovem desculpa toda e qualquer asneira que façamos.
E no outro extremo, está a ‘terrível’ velhice: afinal, quantos de nós somos capazes de olhar para os velhos com alguma compaixão ou tentativa de compreender suas más escolhas, arroubos vazios, pisadas na bola..? Quantos filhos adultos e aparentemente maduros há que não perdoam os pais por isso e aquilo e agora, seguem, sem perceber, a mesma cartilha que eles, os pais, seguiam lá atrás ?
Mas que grande babaquice é essa: envelhecer!
Não poder assumir que se tornou mais caseiro, que não está a fim de tanta badalação e que sim, prefere um livro; que se confunde diante de tantas tecnologias inúteis, que chora quando assiste pela enésima vez aquele filme de 1977 ou de não sei quando, enquanto a tevê atual segue na mesma idolatria vã, produzindo e regurgitando ídolos juvenis com a mesma velocidade com que o tempo continua passando desde sempre…
(Somos ou não somos exatamente desse jeito? Nós os que já vamos adentrando a idade ‘madura’?)
Pois é, mas voltando à atriz que motivou esse texto, àquela ainda bonita e talentosa atriz que nessa matéria de revista de subcelebridades tenta desesperadamente nos fazer crer que, sim, ama suas rugas e sua história, o que ela consegue é somente fazer com que sintamos (como já dito) uma pena descomunal de sua frágil pessoa tão humanamente mortal.
Pena dela mesma – por que se a fama tem o lado glamouroso e invejado que seduz multidões de todos os tipos, há esse outro lado que afeta diretamente as mulheres famosas e a elas não é permitido, simplesmente, envelhecer: “Que cometam essa grande asneira longe dos olhos dos outros, por favor!” É o que parecem dizer, nas entrelinhas, os tais executivos das telas (talvez isso seja um fenômeno nacional, porque quando assisto filmes europeus, por exemplo, vejo atrizes que, sim, estão assumindo suas rugas e conseguindo bons trabalhos. Mas como o Brasil é o campeão das cirurgias plásticas, a gente entende que essa cultura afeta, diretamente, aqueles que vivem mais suas imagens).
Pois é, em um contexto como esse, envelhecer é quase um ato criminoso mesmo e, sendo assim, é preciso deter o tempo que teima em amolecer as bochechas e a linha dos olhos, mesmo que a custa de procedimentos dolorosos, mas no caso das atrizes essa é uma tarefa ingrata, pois elas vivem de seu talento para lidarem com as emoções que são capazes de despertar com sua arte e esse talento está intrinsecamente ligado às suas expressões faciais.
Talvez seja exatamente por isso que a atriz em questão não consegue me convencer de que ama suas rugas e de que elas são parte de sua história; pois suas ‘amadas’ rugas não estão ‘lá’ para comprovar todo o afeto que ela diz sentir por elas: desapareceram sob uma pele lisa e planificada e ali, naquele rosto, agora tão inexpressivo, é difícil acreditar que algum dia a vivacidade de uma emoção consiga se expressar de forma genuína. Triste.
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