Desde que ele morreu ela via o mundo por uma muralha de tom cinza. Como se sua vida estivesse sob um abafador. No começo pensou até que a cidade estava mais suja e ficou chateada com isso. Depois percebeu que ela é que não conseguia mais ver o colorido das coisas e se conformou — de fato, achou até confortável. E viveu assim, na sua bolha cinza, até o dia que vinha pela calçada lendo um livro e viu, na esquina, um grupo de amigos. De imediato, puxou para perto o abafador cinza porque a perspectiva de mais um abraço de pêsames afundou seu coração. Mas — eram amigos queridos, ex-companheiros de trabalho, estiveram no enterro — armou seu sorriso triste e os encontrou. Até que o mais sério, o diretor mais caxias, o mais distante, ao abraçá-la, sussurrou uma cantada picante em seu ouvido. O inesperado, o susto, a fez gargalhar… e a bolha cinza estourou. A gargalhada trouxe, de volta, as cores para o mundo. Apesar da dor, a vida havia voltado. | Mônica Bonfim |
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