HIPERBREVES

CONTRAMÃO

Romântico, ele insistia que a conhecia de outras vidas. Ela, entre cética e divertida, duvidava de tudo que carecia de prova e explicação. A vida era aqui e agora, e precisava ser leve porque breve. Ele se dizia sua alma gêmea e ela, cuja verdadeira crença morava nos livros, lembrava de Platão. Mas se vidas fossem livros – ou vice versa – não seria um desperdício ler apenas um? A vida era várias. Muitas histórias, facetas, edições, afirmava ele, tentando convencê-la. E enquanto citava Espíritos de Luz de livros que lia, ela bagunçava os cabelos recitando as estrelas que ora direis ouvir, de Bandeira. Um dia, descobriu que, ao invés de leitora queria ser autora da sua própria história. Para tal, precisou partir, embora não soubesse bem por que. Quando ele acordou, encontrou o lado esquerdo da cama vazio e a casa num silêncio de dar dó. Sob a cafeteira, jazia o adeus de um espírito inquieto: “Perdoa e me deixa partir, porque se vidas são como livros, nesta encadernação vim de capa dura.”
| Claudia Letti |
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Claudia Letti

Claudia Letti

Jornalista, Escritora, Chef e Astróloga. Vive no Rio de Janeiro.