No começo foi difícil acomodar aquelas asas debaixo da roupa, pois mesmo que dobrassem direitinho, faziam um certo volume. Começou a usar roupas mais folgadas. E como ninguém em casa ligasse muito para ela, logo se sentiu à vontade com o seu segredo. Mas dava-lhe uma certa pena não ter a quem contar aquilo. Ao marido, nem pensar. Nem a melhor amiga entenderia. Iam interná-la como doida; iam querer operar e cortar as asas; iam botar na televisão como monstro; iam isolar e manipular em algum centro de pesquisas, sabe lá. Sentia-se esfolada pelo roçar da beleza do diferente. O que era a sua descoberta de si, agora a sua essência, tornou-se também exílio. De noite subia no telhado da casa e abria as asas e saía a voar. Como uma mariposa gigante, sobrevoava o cotidiano, enxergando tudo de outra perspectiva, mais completa e mais vasta. Chegando àquele patamar não havia mais volta, e agora ela era um ser desencontrado, um ser descosido – um verdadeiro ser humano. | Lya Luft | “Histórias do tempo”
Últimos posts por Hiperbreves (exibir todos)
- CHAMA - 19/07/2017
- NOITE DE NATAL | EDUARDO GALEANO - 23/12/2014
- OS BEIJOS – JUAN CARLOS ONETTI - 13/12/2014