A leitura de textos de ficção implica em um desligamento temporário da realidade concreta, e na assimilação e aceitação de uma realidade imaginária. O trabalho do escritor é desenvolver esse mundo paralelo de forma crível e coerente, de modo que haja sentido dentro do contexto da narrativa.
Para isso, é preciso escolher o modo de narração para compor a estrutura da história e a organização do enredo.
Se você optar por ser o NARRADOR, contará a história e isso fará com esteja em contato direto com o leitor, guiando-o pelo universo ficcional a partir do seu ponto de vista. O narrador pode contar a história a partir de quatro pontos de vista diferentes: primeira pessoa, segunda pessoa, terceira pessoa e ponto de vista alternado. Ele pode ser um personagem criado ou pode ser o próprio escritor.
O uso do ponto de vista em PRIMEIRA PESSOA (eu, nós) requer que o narrador seja um personagem participante da história. É comumente usado quando se quer transmitir abertamente para o leitor seus próprios pensamentos, já que permite a exploração de diversos aspectos desse personagem através do seu jeito de contar a história. O foco dessa abordagem está na visão do narrador sobre os acontecimentos, que é comprometida pelas suas opiniões e julgamentos, e não permite que o leitor tenha acesso direto aos pensamentos e sentimentos de outros personagens, a não ser que estes tenham sido expressos para o narrador – que pode ser o protagonista da história, alguém que tem uma relação próxima com ele, um personagem auxiliar que não tem muita relevância no enredo, um personagem neutro relatando uma história que alguém lhe contou ou mesmo o próprio autor, que, nesse caso, vira personagem. Exemplos disso são as crônicas, os artigos e colunas de jornais e revistas, ensaios.
Na SEGUNDA PESSOA (tu, você), o narrador reconhece a presença do leitor ao referir-se a ele diretamente, tornando a relação mais próxima ao incluí-lo como um personagem que deve aceitar seu papel na história passivamente. É como se o escritor estivesse narrando uma história a respeito do leitor, o qual não tem nenhum conhecimento sobre os acontecidos. O uso da segunda-pessoa permite que o leitor se imagine como parte da história. Um exemplo disso é quando o narrador usa um tom acusatório. Mas é o jeito mais difícil de escrever, já que demanda total atenção na conjugação dos verbos – que tem que ser perfeita.
As narrativas em TERCEIRA PESSOA (ele(a), eles(as)), oferecem grande flexibilidade ao escritor e é o modo narrativo mais utilizado na literatura. O narrador não participa da história. Ele se apresenta como um observador com o trabalho de relatar o enredo para o leitor. O grau de conhecimento desse narrador em relação aos personagens pode variar: ser objetivo e limitado, mostrando apenas o que é visível e observável (como quem captura imagens com uma filmadora), ou pode ser subjetivo e onisciente, tendo conhecimento e controle sobre tempo, lugares e eventos, além de ter acesso aos pensamentos e sentimentos dos personagens.
Também é possível criar um narrador entre esses dois extremos. Um que, por exemplo, saiba tudo sobre o protagonista – incluindo seus desejos, medos, angústias –, mas com conhecimento limitado a esse personagem. Outra possibilidade é a criação de um narrador que procura manter um distanciamento no relato dos fatos, mas que intervém na história fazendo observações e julgamentos sobre os personagens.
Alguns autores optam por alternar o ponto de vista entre primeira e terceira pessoa. Ele se movimenta entre um narrador onisciente para um mais próximo do leitor, que fala na primeira pessoa. As novelas epistolares são um exemplo do uso desse ponto de vista: consistem em uma série de cartas escritas por diferentes personagens ou mesmo por um único personagem, alternando entre primeira e terceira pessoa. O livro “Caixa Preta”, de Amós Oz, e “Amor e Amizade”, de Jane Austen, são exemplos desse estilo.
Fonte: “Ficção em Tópicos”
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