“O que marca um líder é sua capacidade de absorver fracassos.”(Benazir Bhutto)
*21/06/1953 | +27/12/2007
A Revista Claudia de Janeiro de 2008, com entrega prevista sempre para o início do mês, amanheceu debaixo da porta naquela sexta-feira, 28/12. Numa rápida folheada, foi possível saber o motivo da antecipação: uma das principais matérias trazia o retrato de Benazir Bhutto, assassinada durante um atentado no dia anterior.
No artigo, a história da ex-premiê, elaborada pela repórter Marília Scalzo, não tinha final: uma nota ao pé da página dizia que quando o texto foi escrito, o Paquistão permanecia em estado de exceção, com as eleições de 08 de Janeiro garantidas e a candidatura de Bhutto assegurada.
Não sou especialista em política – muito menos internacional -, mas sempre acompanhei, ainda que de longe, a trajetória de algumas mulheres – líderes por natureza, centradas em lutas acirradas, com ideais visionários e coragem destemida.
Benazir Bhutto é uma dessas mulheres, cuja vida foi marcada por extremos – como é próprio a seres com causas irreverentes. Saiu da infância privilegiada e romântica em fazendas no Paquistão para ser educada em Harvard e Oxford, construindo seu destino político quando prometeu ao pai, deposto por golpe militar e condenado à forca, continuar sua luta pela democracia – uma promessa dura de cumprir, considerando as linhas radicais do Oriente.
Viveu em prisão domiciliar, mas foi numa cela no deserto, onde permaneceu por três anos, doente e privada de tudo, que começou a acreditar que ‘Deus só nos dá a carga que podemos aguentar.’ Com permissão para tratar-se de uma infecção fora de seu país, exilou-se em Londres por dois anos. De volta em 1986, foi aclamada pelo povo e em 88, aos trinta e cinco anos, tornou-se a primeira mulher a comandar um país muçulmano. No auge de sua popularidade e única herdeira do legado de seu pai, foi acusada de corrupção – 12 bilhões de dólares perderam-se em negócios obscuros -, e tirada do governo.
Linda, glamourosa, jovem, inquieta, ela polarizava opiniões: era amada e odiada com a mesma intensidade.
Consolidando suas convicções, em 93 venceu novamente as eleições e essa era de ouro poderia ter sido um coroamento que duraria para sempre. Mas em 96, sob as mesmas acusações de anos atrás, foi destituída outra vez, exilando-se em propriedades gigantescas na Europa.
O Paquistão é o segundo país no topo da lista de mais corruptos do mundo e Benazir é considerada a líder que mais auto-enriqueceu através do poder. Ela sempre negou essa acusação. Pesa sobre ela ainda os piores registros de execuções extrajudiciais, torturas e mortes de prisioneiros sob custódia, além do fato de ter ajudado a fortalecer, armar e financiar grupos no Talibã. Diferentemente do que Benazir afirmava, um coro de feministas a acusa de nada ter feito pelas mulheres de seu país, que lutam pela revogação de leis, baseadas na religião, para julgar casos de adultério e estupro.
Benazir retornou à sua terra natal em 18 de Outubro/2007 depois de oito anos de exílio voluntário, com a chance de resgatar sua credibilidade e recuperar o prestígio de outros tempos. De mãos voltadas para o céu, seu inseparável lenço branco cobrindo os cabelos, olhos marejados e vasta esperança na bagagem, ela desceu do avião em Karachi, ao sul do Paquistão, com discurso de conciliação em defesa da democracia, outra vez candidata à presidência civil.
Carismática, foi saudada por 250 mil pessoas. Escapou ilesa a um primeiro atentado nesse mesmo dia e sabia que sua vida corria risco. Mesmo assim, sem perder seu foco de idealização, continuou sua peregrinação, valente e engajada.
Naquela quinta-feira, sua alegria ao ouvir o povo aclamá-la, a fez romper as normas de segurança, expondo-se como alvo de peito aberto: a sorte vacilou, seu corpo tombou inerte, sua voz foi calada para sempre.
Símbolo de modernidade, a história de Benazir Bhutto foi pontuada por contradições: sua determinação e ousadia a levavam do auge à ruína, e cada revés fortalecia mais seu espírito imbatível.
Na análise superficial de seu percurso, não consigo definir se ela era princesa ou bandida, mas não há dúvida de que sua morte a transformou de ícone em mártir.
Escrito em 2007 para o site Crônica do Dia.
- “ALIKE” – PARA QUE EDUCAMOS AS CRIANÇAS? - 22/05/2024
- UM ANO SEM LUNA - 15/05/2024
- A “ONDA” DA COMUNICAÇÃO INTUITIVA - 01/05/2024